Ceviche: saiba mais sobre o 'Sushi da América do Sul'

21.5.2019

Ceviche: saiba mais sobre o 'Sushi da América do Sul'

 

O ceviche é um prato tradicional da cozinha peruana que se baseia em peixe cru marinado com sumo de limão, lima ou outro citrino, juntamente com cebola e piri-piri ou pimenta. Considerado património cultural do Perú, ainda tem direito a uma data comemorativa, no dia 28 de Junho. Mas sabia que na sua origem, estão influências dos quatro cantos do mundo?

Poucas cozinhas têm sido tão badaladas em anos recentes como a peruana. A sua qualidade e variedade de influências levou a que, nos últimos sete anos, o Perú fosse eleito como o principal destino culinário do mundo, num prémio atribuído nos respeitados World Travel Awards. Mas afinal de contas, o que torna a comida deste país sul-americano tão especial?

A verdade é que só em Lisboa existem cerca de 15 restaurantes de cozinha peruana, oferecendo pratos com quinoa, marisco e, principalmente, com as diversas receitas de ceviche fazem as delícias dos mais indefetíveis fãs desta cozinha. E se este boom de comida do Perú teve lugar, pelo menos em Portugal, há menos de uma década, a história da cozinha peruana e, mais concretamente, do ceviche, o seu ex-libris, começou há vários séculos.

O primeiro registo do ceviche é encontrado em 2000 A.C no povo Mohica, um povo indígena originário do litoral norte do Perú, que marinava o peixe cru em sumo de tombo cocoba, um fruto da Amazónia parecido com o maracujá. Ainda na Pré-História, os povos que compunham a região que hoje é a Colômbia, onde o prato também é tradicional, acrescentaram a pimenta aji (muito picante) à receita, que hoje se mantém como obrigatória para um bom ceviche.

 

Silvia Trigo | Unsplash

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Avançando até ao século XV, numa altura em que o Perú era dominado pelos Incas, assistimos a uma expansão do prato para mais regiões dos Andes – a principal zona montanhosa da América do Sul –, como a Argentina e a Bolívia. Este povo, em vez de sumo de tombo cocoba, usava “chicha” (que na sua essência é uma bebida fermentada de milho) para marinar o peixe cru.

O limão, por sua vez, só chegou à receita pela mão dos espanhóis. Liderados pelo explorador e navegador Francisco Pizarro, que obrigou os Incas a submeterem-se ao seu domínio, a chegada dos espanhóis ao Perú fez com que a cozinha peruana passasse a ter uma influência... árabe. Confuso? A explicação é fácil: a cultura espanhola tem fortes raízes na cultura árabe (nomeadamente a proveniente do norte de África), devido ao domínio que estes tiveram da Península Ibérica durante vários séculos, tendo inclusivamente trazido os citrinos para a Europa.

No entanto, as influências no ceviche não ficam por aqui. No início do século XIX, a Revolução Francesa levou a que muitos chefs franceses, defensores da monarquia, optassem por fugir da Europa e mudar-se para a América do Sul, nomeadamente para o Perú. A versão moderna do ceviche, especialmente no aspeto visual e de apresentação do prato, foi influenciada por estes imigrantes culinários gauleses. Também nos séculos XIX e XX, houve uma forte emigração chinesa e japonesa em direção ao Perú, pelo que a experiência destes povos com o peixe, principalmente os japoneses com o seu famoso sushi, levou a que sabores asiáticos acabassem por também influenciar a receita que chega atualmente aos nossos pratos.

A importância da cultura japonesa no Perú – sendo o segundo país onde tem maior população a seguir ao Brasil – levou à criação da Nikkei, a cozinha de fusão nipónica e peruana, da qual o ceviche é um dos principais símbolos. Inclusivamente, o ceviche é visto por muitos como “o sushi da América do Sul”.

A receita base do ceviche peruano, o prato que liga quatro continentes, inclui, nos dias de hoje, peixe cru (de preferência branco) cortado em pequenas tiras ou cubos, marinados com sumo de limão, malagueta, alho, gengibre, coentros, sucos do próprio peixe, sal e pimenta. O molho resultante da “marinada” chama-se leite de tigre, devido à cor esbranquiçada que acaba por ganhar e pela crença de muitos em que, depois de bebido, o mesmo dá força e energia. O prato é tradicionalmente servido com milho ou batata-doce cozida, sendo que, para os inovadores culinários, em vez de peixe branco, também pode utilizar salmão (como nesta receita da Tia Cátia), camarões ou uma combinação de vários peixes e marisco.